Eda De Maman

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Local: Porto Alegre, Brazil

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Dr. Turuca

Certa vez conheci um doutor. Chamava-se Dr, simplesmente...mais tarde descobri seu apelido de infância: Turuca. Dr. Turuca.
Recebia as pacientes na porta do consultório com um olhar tranquilo e um sorriso bonito. Dr. Turuca era jovem ainda, porém a vida havia lhe descolorido os cabelos, deixando-os da cor da neve, quase que totalmente.
Dr . Turuca havia vindo do interior....
Fiquei imaginando o Turuca do interior, metido em calças de brim curinga, cabulando aulas para caçar passarinhos, descendo lomba de carrinho, fazendo traquinagens. Deve ter tido uma infância feliz, esse Turuca! Certamente brincou de médico com alguma prima, trocou beijos atrás da igrejinha, brincou com funda de goiabeira e sonhou...
Turuca deve ter sonhado em ser importante, em ter um fusca, depois uma Brasília, um Chevette, um Escort XR3 conversível, uma CB 400...uau!
Os sonhos de Turuca levaram-no para a capital, de onde haveria de conquistar o mundo.
Turuca estudou e formou-se doutor: Dr. Turuca.
Vieram as pacientes, primeiro uma...duas, três e de repente chegaram aos borbotões. Dr. Turuca vencera e via seus sonhos se realizarem como num passe de mágica. O mundo aos seus pés. Mal sabia ele que os mesmos sonhos que o trouxeram para a capital, haveriam de matá-lo em sua essência.
Quanto mais o Dr. crescia, mais  o Turuca que havia dentro dele diminuia... E aos poucos ia esquecendo de sua infância, de suas origens, de seu jeito Turuca de ser: já não lembrava mais do frio, nem do sabor da pitanga, de nada.... Suas lembranças tornaram-se pasteurizadas como leite de caixinha. O dr. havia crescido dentro dele, tal qual um mr. Hyde...
O tempo encarregou-se de lhe mostrar o que era solidão. Dr. passou então a viver de forma estranha. Trabalhava, trabalhava e trabalava..... de sol a sol... para não ter sequer um minuto livre, para não pensar...
Dr., que passara vida "curando" pequenos defeitos físicos, ficara doente da alma e nem percebera... Perdera os sonhos, o sentido da vida e tornara-se uma máquina. O medo de sentir dor, afastara-o das pessoas que talvez pudessem fazê-lo novamente sentir-se feliz e foi justamente nesta época que o conheci.
Não conversei muito com Dr. Turuca, mas algumas palavras que ele pronunciara durante o procedimento a que me submeti, ficaram martelando minha mente....As palavras tristes não foram dirigidas propriamente a mim, mas no torpor da anestia, ficaram marcadas em meu subconsciente. Eram palavras de alguém sem esperança,  como se o passar dos tempos fosse capaz de  deixar que o frio da neve de seus cabelos escorressem orelhas adentro, descendo devagarinho até o coração e tornando-o gelado. Senti vontade de gritar:
- Acorda Dr! Viva ! Grite! Chore! Cante! Tudo isso separado ou ao mesmo tempo...mas viva sua vida da maneira como deve ser...
Na última vez em que o vi, mencionei uma amiga em comum e a fofoca que ela me fizera, contando-me sobre seu apelido de infância. Dr. olhou para mim como se acabasse de me ver e desenhou um sorriso de menino. Não sei o que aconteceu depois, não o vi mais... mas tenho certeza que algo relampejou dentro de seus olhos... imaginei que tivesse sido o Turuca,  despertando novamente para a vida!


Eda De Maman




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